O Legado do Papa Bento XVI


Em uma segunda-feira de abril de 2005, um modesto padre caminhou em direção ao palácio Renaissance, sede da Congregação para a Doutrina do Fé, no Vaticano, e pediu ao porteiro para chamar a autoridade encarregada. Era o primeiro dia de trabalho após a morte do papa João Paulo II e o clérigo em questão queria voltar ao trabalho. O número dois da Congregação, arcebispo Angelo Amado, atendeu o porteiro e ficou perplexo. O visitante não era um padre qualquer pedindo permissão para subir. Era o cardeal Joseph Ratzinger, seu chefe, que pelas regras veladas do Vaticano tinha tecnicamente perdido seu emprego quando João Paulo II morreu. 
Andrew MedichiniBento XVI deixa o Vaticano rumo a Castel Gandolfo, após último compromisso oficial com os cardeaisBento XVI deixa o Vaticano rumo a Castel Gandolfo, após último compromisso oficial com os cardeais

"Isto mostrou a grande humildade do homem, seu grande senso de dever, mas também a enorme consciência de que estamos aqui para fazer um trabalho", afirmou o bispo Charles Scicluna, que trabalhou com Ratzinger antes de ele se tornar o papa Bento XVI na Congregação pela Doutrina da Fé. Ao renunciar, Scicluna diz, Bento mostrou o mesmo sendo de humildade e dever que demonstrado um dia após a Igreja Católica perder seu papa. "Ele fez seu trabalho." 

Quando voou de helicóptero na quinta-feira em direção à Castelgandolfo, Bento XVI deixou para trás uma igreja em crise, acossada por escândalos sexuais, divisões internas e números minguados. Mas o papa pode contar com um legado sólido: embora seu ato mais significativo tenha sido a renúncia, Bento XVI, com sua maneira quieta e humilde, também colocou a igreja de volta ao caminho conservador, propensa à tradição. Bento foi guiado pela firme convicção de que muitos dos problemas aflitivos de hoje podem ser traduzidos como uma leitura equivocada das reformas do Concílio Vaticano Segundo.

Ele insistiu que as reuniões de 1962 a 1965, que trouxeram a igreja para o mundo moderno, não romperam radicalmente com o passado como alguns liberais disseram e sim mantiveram grande parte das tradições da velha igreja de dois mil anos.

Bento foi um papa professor, um professor teólogo que transformou suas audiências gerais das quartas-feiras em aulas semanais sobre a fé católica e a história, construídas por santos e pecadores. Em suas lições, ele tentou colocar o cristianismo de volta às sua origens e não produziu volumes de encíclicas como seu antecessor, apenas três, sobre caridade, esperança e amor e deixou pendente a quarta, sobre fé - renunciou antes de concluí-la.

Considerado por muitos como o maior teólogo vivo, Bento é autor de mais de 65 livros, cujos títulos vão do clássico "Introdução ao cristianismo", de 1968, ao último de sua trilogia sobre "Jesus de Nazaré", terminada ano passado, e considerada por alguns como sua contribuição mais importante para a Igreja. Ele também produziu neste período o "Catecismo da Igreja Católica", essencialmente um guia de como ser um católico.

Bento nunca quis ser papa e não assumiu com facilidade os rigores do trabalho. Eleito em 19 de abril de 2005, após um dos conclaves mais breves da história, Bento foi, aos 78 anos, o papa mais velho em 275 anos e o primeiro alemão em quase um milênio. No começo ele era desajeitado. Giovanni Maria Vian, editor do jornal L'Osservatore Romano, recordou que nos primeiros dias Bento costumava saudar a multidão com desajeitados gestos de vitória, "como se ele fosse um atleta". 

"Em algum momento alguém disse para ele que aquele gesto não era muito papal", comentou Vian. Bento mudou o rumo, optando ao invés do gesto por braços abertos como se abraçasse a multidão ou um gesto quase efeminado dos dedos com a mão estendida, como uma forma de se comunicar com a multidão.

"Ninguém nasce papa", salientou Vian. "É preciso aprender a ser papa." E o papa aprendeu lentamente.

A multidão acostumada com os 25 anos do papa superstar João Paulo II, aprendeu a seguir o estudioso de fala mansa que tinha um estranho modo de ser capaz de absorver pontos de vista diferentes e colocá-los juntos de forma perfeita e coerente.

Bento viajou, embora menos do que João Paulo, e celebrou missas em latim, canto gregoriano, com vestimentas de seda brocadas de seu antecessores de antes do Concílio Vaticano II.

Algumas vezes Bento parecia genuinamente surpreso com a recepção popular recebida por ele, e surpreso de maneira igual quando as coisas davam erradas, como aconteceu quando ele afastou da excomunhão o bispo acusado de negar o holocausto. Para um teólogo que durante décadas trabalhou pela reconciliação entre católicos e judeus, a ofensa direta a Bento foi feroz e dolorosa, ele se decepcionou com seus aliados por não fazerem uma simples pesquisa para descobrir a verdadeira natureza do bispo. Bento foi também responsabilizado pelo que ele chamou de "vileza" da igreja: os pecados e crimes de seus padres.
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